__ Nãooooo moço… eu não quero mesmo esses lençóis de linho. Nem mesmo esses de puro algodão com cento e oitenta fios. Nem cem fios eu quero... Quero mesmo aqueles alí, algodãozinho estampado, flores alaranjadas e amarelas sobre o fundo branco. Que se danem os fios. Não quero que durem, quero que enfeitem. E que me deixem feliz só por vê-los, colorindo minha cama.
__ Na verdade não desejo que minhas fronhas sobrevivam aos meus sonhos. À mim mesma (como dizem que copos de requeijão sobrevivem a muitos casamentos). Quem amaria as mesmas cores que eu? Quem passaria a ferro as lindas fronhas estampandas com florzinhas... e sentiria seu perfume doce do amaciante predileto e suspiraria feliz ao colocar a cabeça no travesseiro macio, vestido com o doce tecido da escolha própria?
__ Eu desejo mesmo as fronhas de algodãozinho com florinhas laranja. E os lençóis de malha amarelos. E daí se malha acaba logo? Eu também me acabo a cada dia. Você acaba. Todos se acabam e se deformam e espicham mais de um lado que do outro. Nossos elásticos também não são eternos, assim como nossos tecidos. Envelhecemos, moço. Não sabia? Envelhecemos e ficamos flácidos e moles, como essas toalhas ficarão. Pra que então investir em peças eternas? Duráveis? Caras? Se vamos sofrer todas as formas de desgaste, todo tipo de decadência física, por que desejar que nossos objetos sejam mais felizes e permaneçam onde nós próprios não permanecemos?
__ Ah, isso é bobagem moço. Acredite em mim. Taças de cristal se quebram facilmente... escorregam das mãos, esbarram nas bordas da pia. Tudo o que tem valor real é frágil, etéreo, delicado. Nós, os seres, somos assim delicados. Quebramos, nos espatifamos, viramos pequenos cacos encarquilhados caso nos empenhemos na sobrevida. Copos grosseiros de vidro não se perdem facilmente... Duralex, eternex, suplex.... Tem coisas que caem e permanecem, o que não é o nosso caso. Não quero ficar pra semente. Nem me indispor com as estatísticas. Quero viver exatamente o que a média indica. Nem muito mais nem muito menos. Não sou melhor nem pior que ninguém. Sou um ser. Uma pessoa que poderá chegar aos 70, 80, 90 se tiver muita sorte, mas que verá a degradação da carne acompanhada da manutenção do espirito. Como todos. Pobres velhos corpos com alma nova e fresca! Pobre invólucro depauperado com o mesmo conteúdo.
__ Me traga tudo o que não seja de confiança, sim? A marca desconhecida que anuncia toalhas de banho macias e felpudas por uma ninharia. É o que eu quero. Quero que as coisas acabem. Quero ter o prazer de ter que sair e comprar novas coisas, para substituir as velhas; não permitir que as toalhas felpudas riam de mim, lépidas e novinhas enquanto meu corpo se debruça à lei da gravidade. Quero toalhas verde-limão, laranja, cereja, pink, amarelo ouro. Lindas e baratas. E perecíveis como eu.
Quero jogos de cama em malha, para que criem bolinhas, façam-se buracos, esgarcem... como eu.
Quero que meu sofá seja substituível. Reformável, no máximo. Humildemente consciente do seu pouco valor. Como eu.
A tinta da parede tem que desbotar, perder o viço, ser lavável. Como eu também.
Minhas panelas devem amassar caso esbarradas. Devem perder as tampas. Ser emprestadas e não voltar mais. Não ter teflon. Não ser do “jogo”.
Que o piso seja só um piso e não uma jóia no chão. E que eu possa pisa-lo sem culpa e sem dó. E todos possam caminhar sobre ele. E que eu possa troca-lo quando quiser sem remorso.
__ Coisas, moço, são coisas.
Pessoas são pessoas.
Não confunda mais as duas coisas.
Olhe de novo para mim.
Olhe para a senhora que está escolhenco edredons.
Veja que queremos florescer como as plantas. E nos cercarmos de beleza, como a natureza. E nos permitirmos definhar, como os lírios do campo. Que nem tecem nem fiam, mas que tombam sobre suas hastes no momento certo, sem um ai, sem um pio ou uma queixa. Sem deixar pra trás uma herança enorme de enxovais eternos.
Nádia Daher
Blog: nádia daher: poesias, coisa & tal
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